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Histórias que tenho em gaveta, para partilhar com os pequenos leitores aqui, nas oficinas de escrita, ou num outro cantinho onde nos encontremos.

Gavetinhas, coisas vossas, coisas minhas

Histórias na minha gaveta

Virgínia Costureira

e

Virgínia Cozinheira

É véspera do Domingo de Páscoa. A Virgínia Cozinheira encontra-se na varanda a pendurar lençóis. Tem os cabelos grisalhos unidos num carrapito impecável. No rosto, duas eternas rosetas e olhos azuis ainda bonitos, por trás das lentes grossas. Na pele traz o cheiro da canela e da erva-doce, à custa de estender a massa do folar sobre a grande mesa de mármore, com os braços vigorosos e bem treinados pelo ofício. Debruçada na corda da roupa, escuta a voz da Virgínia Costureira, sua vizinha da frente, cuja figura franzina e nariz adunco lembram um pardal.

“Ò vizinha, olhe lá os seus lençóis! Se quiser isso cosido traga cá, que eu coso!”
A Virgínia Cozinheira, que via a vida através dos seus cozinhados, estava muito mal-humorada nessa manhã, pois deixara esturricar um tabuleiro de biscoitos de amêndoa. Por isso respondeu com maus modos:
“Está a insinuar que os meus lençóis estão a precisar de ir para dentro do tacho com água a ferver?! Olhe que eles estão velhinhos, é verdade, mas sei cuidar bem deles, ouviu? Saem das minhas mãos sempre limpos, IMPECÁVEIS, OUVIU??...”
A outra tentou explicar-se:
“Não é nada disso, mulher, estou a falar do...”
“ Acha que tenho que ferver os meus lençóis para lhes tirar as nódoas, de tão encardidos que estão, é isso? Quais nódoas? Diga-me lá, mulher, onde é que vê as nódoas?!...”
Entre as duas existia sempre esta confusão:
Para a Virgínia Costureira, “Coser” escrevia-se com “S” e era tarefa que pedia agulhas e linhas; para a Virgínia Cozinheira, “Cozer” soava a “cozinha”, a “cozinhados”, a “cozinheira” e a “cozido”. Tratava-se então de um grande malentendido. Como ambas as mulheres eram teimosas que nem mulas, nenhuma dava o braço a torcer. Com a segunda interrupção, a Virgínia Costureira perdeu a paciência:
“Mas que mau feitio! Quem é que está a falar de nódoas? Irra, que é desconfiada! Estou só a dizer-lhe que não me custa nada coser-lhe esse lençol! Não seja orgulhosa!”
A outra, sem compreender ainda, já gritava:
“Ainda por cima insiste! Já agora diga-me, vá, como é que está à espera de cozer um lençol enorme destes? Onde, diga-me lá, no seu fogão, é? Onde é que tem o tacho para meter um lençol destes? Isso é que eu queria ver! Pois, porque os meus lençóis são de casal, ouviste?”
Agora estava a ser cruel, pois sabia da tristeza que a outra sentia por nunca ter encontrado marido e por dormir na velha cama da sua infância. Ofendida, a Virgínia Costureira perdeu a paciência:
“Eu não acredito! Pois então está aqui uma pessoa de boa fé a tentar ajudar e a vizinha ainda me ofende?! Parece impossível! Quer dormir com a roupa toda estragada, olhe, durma, que eu cá já não me ralo! Mas depois não me venha cá pedir batatinhas, que eu não lhas dou!”
E, dizendo isto, saiu da sua varanda, batendo as portadas com estrondo.
A outra saiu à rua, resmungando:
“Batatinhas? Em minha casa NUNCA faltam as batatas! A batata nova, a batata velha e as batatinhas para os assados! Pedir-te batatas, eu? Isso é que era doce! E por falar nisso, TAMBÉM TENHO BATATA-DOCE, ESTÁS A OUVIR?
(Só se tratavam por tu quando estavam zangadas uma com a outra).
“Vem cá fora e fala comigo, se és mulher de raça, que isto não fica assim!”
Exasperada, a outra saiu para o pátio, enquanto resmungava entre dentes:
“Eu não quero mais conversas contigo, ouviste bem? Foi a última vez que me ofereci para te fazer arranjos na roupa! Nem uma bainha sequer, acabou-se! Fica lá com o rasgão no lençol, a ver se eu me ralo!"
Ambas tinham bom coração, o sangue é que era quente…
“O quê?” – Perguntou a cozinheira, começando a entender o equívoco – “A vizinha disse… arranjar?”
“Arranjar, pois! O que havia de ser? Não reparaste que o teu lençol de linho branco tem um rasgão num dos cantos? Podia cosê-lo num minuto e ficava como novo, mas tu...”
A cozinheira interrompeu-a, muito envergonhada pela sua precipitação e agarrou-se a ela, apertando-a nos braços:
“Ó minha amiga, a vizinha desculpe lá o mau jeito!... É que eu hoje acordei torta e julguei que estava a fazer pouco da minha roupa!
Aliviada, a costureira limpou o suor que lhe corria pela cara e exclamou:
“Pronto, pronto. Eu estava falar do rasgão, mulher, do rasgão!”
Zangavam-se por disparates como este, e eram tão diferentes como o sol e a lua. Só o nome era igual; mas quando faziam as pazes, dava gosto ver... até à trapalhada seguinte com o “coser” e o “cozer”.
Contavam-se na aldeia vários episódios do mesmo género. Uma vez, a cozinheira apresentara-lhe um ovo cozido partido ao meio e perguntara:
“Quer um ovo cozido?”
A costureira, estranhando o tom autoritário que nem pedia “se faz favor”, tinha ouvido:
“Quero o ovo cosido!” e respondera: “Claro, é para já…!”
Pouco depois, devolvera-lhe o ovo cozido...cosido, pois as metades haviam sido unidas com linha preta e mal amanhada, em jeito de vingança:

 

“Aqui tens o teu ovo cosido e para a próxima, se quiseres o trabalho bem feito, pede-me com bons modos!”

 

O Coelhinho Chocolate

Era uma vez um belo coelhinho. Parecia um gelado de nata e chocolate, pois o seu pêlo era todo malhado, castanho e branco. Vivia num pequeno jardim guardado por um grande cão bonacheirão, chamado Castanho. O cão parecia-se um pouco com ele: também era castanho e branco, apesar de ser muito maior.

 

 

O coelhinho passeava-se livremente por ali, uma vez que os seus donos o tratavam como se fosse da família: não lhe faltavam as cenouras; brincava com o Castanho dando-lhe dentadinhas no rabo e fugindo logo de seguida, saltitando em direcção aos arbustos; passava o serão ao colo da D. Ermelinda, que lhe ia fazendo festas, enquanto conversava com o marido, frente à lareira…enfim, era um coelho feliz, que levava uma vida regalada.

 

Numa linda manhã de Abril, o Sr. José decidiu pintar a casota do Castanho, cuja madeira velha estava já muito feia. Agarrou no chapéu e foi às compras à aldeia, na sua carrinha branca. Apareceu pouco depois com várias latas de tinta de água, pousou-as na relva junto à casota e abriu-as: uma branca, outra amarela, outra ainda azul mesmo-mesmo da cor do céu e, finalmente, uma vermelha. Quando ia começar a obra, disse para com os seus botões:

 

"Ora ora, o que me calhava mesmo bem agora, era uma cerveja fresquinha!" – Porque estava imenso calor. Como a D. Ermelinda se encontrava longe, na cozinha, a fazer um bolo que fazia as delícias da filha e dos netos, que estavam para chegar, resolveu levantar-se e ir ele mesmo buscá-la.

 

Passados instantes, chegou o coelhinho, atraído por aquele cheiro novo  de tinta fresca. Ao ver as cores a brilhar ao sol, achou-as bonitas. Aproximou mais o focinho e os bigodes para espreitar e... Ops, asneira! Entornou duas latas de tinta! O azul e o amarelo espalharam-se por todo o lado e arranjaram uma cor nova:

 

Qual era? O verde!

 

Ficou muito espantado com o que tinha arranjado e não resistiu a espreitar melhor as outras cores: empoleirando-se com as patas na lata vermelha, pumba! Fez asneira outra vez! Ela tombou e o coelho Chocolate, com o peso, desequilibrou-se e foi cair em cima da lata de tinta branca! Agora é que a tinha arranjado bonita! Estava tudo entornado e, ainda por cima, cada vez que saltava, as suas patas deixavam marcas… …. Cor-de-rosa!

 

Nesse momento, curiosos com a confusão que reinava no jardim, chegaram o Castanho e o Sr. José, a correr:

 

"Chocolate! O que é que me foste arranjar?! Olha bem para isto, sim senhor, lindo serviço!" - ralhou o Sr. José. 

 

O Coelhinho olhou para ele com os olhos maiores e mais doces que sabia fazer, para não apanhar uma palmada. Era preciso ver aquela confusão de cores! O Castanho, todo satisfeito por ver o jardim mais colorido do que nunca, juntou-se ao Coelhinho Chocolate, lambeu-o e ficou com a língua pintada; depois, com a cauda a abanar, espalhou mais tinta por todo o lado. Agora havia roxo, castanho e cor-de-laranja também! Até as flores do jardim ficaram com as suas cores trocadas!

 

Pensam que a D. Ermelinda se zangou quando, ao chegar, viu aquela confusão? Estão enganados! Como era uma senhora muito bem disposta, não conseguiu conter o riso e desatou às gargalhadas. E o riso, que se pega como os bocejos e a tosse, contagiou o Sr. José, que acabou por rir também, e nem ficou zangado, pois reparou que o que sobrara nas latas ainda daria para fazer o trabalho.

 

"Ai, que eles estão quase a chegar!" - Exclamou a D. Ermelinda, pondo-se séria de repente - Vá, toca a tomar banho, seus marotos, antes que essa tinta seque!"

 

O que valeu a todos, é que a senhora adiantara trabalho, como era seu hábito, e, assim, dispôs de tempo para aquele imprevisto. Pegou no Chocolate e foi dar-lhe uma boa ensaboadela na banheira, com água morna. Quanto ao Castanho, foi lavado ali mesmo no jardim, com a mangueira, para aprender a ficar quieto! O Sr. José esfregou-o bem esfregado com um champô especial, até ficarem apenas as suas cores: castanho e branco.

 

Ao fim da tarde, a D. Ermelinda abriu a mesa no jardim, fez laranjada para as crianças e chá para os adultos, a acompanhar as grandes fatias de pão e de bolo de chocolate.

 

Por falar em chocolate, onde ficou o coelhinho? Ah, esse ficou amarrado ao poste, de castigo! E o seu amigo Castanho, que detestava tomar banho, passou o resto do dia muito sossegado e um pouco amuado com o dono, que o lavara com água fria. No entanto, nessa noite, já poderia dormir regalado, na sua linda casota, que estava agora como nova, pintada com as sete cores do arco-íris! Frente à porta podia ler-se:

 

"CUIDADO! PINTADO DE FRESCO!"

 

A Sopinha de letras

    

         Era uma vez um menino que estava a almoçar. O menino era forte e nunca estava doente, pois comia sempre tudo o que a mãe lhe punha no prato, com muito apetite.

        

         Nesse dia, para começo de refeição, tinha à sua frente uma sopa de letras. Quando se serviu da primeira colherada, apareceu-lhe um "A", a nadar no saboroso caldinho que a mãe fizera:

"Olha mãe, calhou-me um "A"!" - exclamou ele todo contente.

"Muito bem! Vês? Saíu-te a primeira letra!"

         O menino comeu o "A" todo contente e serviu-se logo de outra colherada:

"Olha mãe, saíu-me um "E"! - voltou a exclamar o menino.

"Que engraçado! Será que te vai sair o a-e-i-o-u?" - perguntou a mãe – "Se calhar é uma sopinha de vogais!"

         O menino não perdeu tempo e, de olhos fechados, mergulhou a colher pela terceira vez:

"Olha mãe, saíu-me o "O"... - murmurou o menino, desiludido.

"OOOH!" - exclamou a mãe – devem ser só vogais, realmente, mas estão baralhadas... paciência! Vê agora se encontras o "I" que te faltou!"

         O menino lá se serviu de outra colherada e os seus olhinhos voltaram a brilhar:

"Olha mãe, está aqui, o "I"! Está aqui!"

"E não é que te saíu mesmo o "I"?... agora, só te falta o "U", para ficares com todas as vogais na barriguinha!" - disse a mãe, sorrindo.

         O seu filho fez mais uma tentativa, mas pescou a vogal errada novamente:

"Não, mãe! Saíu-me outra vez o malandro do "O"..." - disse ele um pouco triste.

"OOOH!" – repetiu a mãe – "Então, filho, essa sopa está quase a  acabar e ainda não apanhaste o "U"? Onde  andará o "U"?" – perguntou ela a brincar.

         O menino, um pouco aflito por ver que o seu a-e-i-o-u ia ficar incompleto, tratou de enfiar umas rápidas colheradas de sopinha de letras pela boca abaixo, mas sempre sem fazer porcarias, porque era muito limpinho e não gostava de sujar a toalha à mãe. E assim, comendo muito bem a sua sopinha, não tardou a dar com a letra que lhe faltava:

"Olha, está aqui, finalmente! A última, mãe! A última! O "U"!"- gritou ele radiante.

         E assim se foi uma sopa de letras!

         A-E-I-O-U!

 

 


Vamos cantar? 

 

 

 

A-E-I-O-U

 

 

1.                                                   4.

AAA! Dizemos nós                              Cheg'ò "O", bem redondinho

Quando ficamos admirados                  Quando estamos a dormir

Ou se vai sair um espirro                    É tão fácil de desenhar

Quando estamos constipados               E tão bom de colorir

                                     

2.                                                  5.

EEE! Pois é!                                      E agora, a terminar

Fica logo aqui ao lado                         Vem a letra mais contente

Tem a forma de um garfo                   Tem a forma de um sorriso

Se o garfo estiver deitado                  Na boca de toda a gente

 

3.

E agora vai chegar

A vogal que eu escolhi

Tem a pinta redondida

É o "I", é o "I"

 

SOPINHA DE LETRAS

 

1.                                           2.

Ò dona sopa                             Falta-me o "I"                         

Mostre as suas letras                 Falta-me uma letra

A-E-I-O-U a nadar                      É a terceira do A-E-I-O-U

Estou a comer                           Já tenho o "A",

sopinha de letras                       O "E", o "O" e o "U"

Já comi muito                            Quero o A-E-I-O-U!

Estou quase a acabar         

 

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