UM ANJO DE PALHA

A vila de Chovetanto. Um orfanato. Um rapaz de seis anos. Um mealheiro azul. Uma carrinha de peixe. A fuga. Um chocolate de leite. Um mendigo. Uma viagem a subir. Um anjo.

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No “Aguaceiro”, nome dado por natural optimismo, num lugar onde a chuva não desiste e mal oferece um vislumbre do sol, quanto mais um arco-íris no horizonte, vive Rafael, um miúdo obeso e guloso, os pais levados em lençóis de algodão para as profundezas do mar, sem que os seus corpos tenham alguma vez sido encontrados. Único filho, o açúcar e a gulodice dão-lhe um doce alívio, além da solidão dentro da solidão, onde se recolhe para sonhar que não está sozinho. Raro é o dia, porém, em que pode alimentar o vício, pois no “Aguaceiro” é regra poupar nas guloseimas, culpadas de transformar as crianças em duendes irrequietos e estranhamente felizes. 
E onde é que já se viu órfãos felizes.

(Vera de Vilhena, in «Nem sempre os pinheiros são verdes, p.82, Poética Edições, 2016)