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Gavetinhas, coisas vossas, coisas minhas

Filosofices que tenho em gaveta, para partilhar com os leitores mais jovens aqui, nas oficinas de escrita, ou num outro cantinho onde nos encontremos...

Filosofices

 

Agora que sou crescida, parece mal perguntar, mas olhem que se eu tivesse a vossa idade, aproveitava para saber!

 

Alguém explique, por favor...

 

1.

A tesoura e o tesouro, são um casal?

 

O tesoureiro é o senhor que guarda as tesouras?

 

Não - responder-me-ão - é o que guarda o tesouro.

 

E nesse instante os meus olhos brilham, imaginando um pirata guarda-costas ou um animal de duas cabeças sentado sobre um alçapão.

 

Então e a tesoureira, é a senhora que faz e que vende tesouras?
É que não tem nada a ver, bem vistas as coisas, quando pensamos nisso, é confuso, ou não é?


2.

Por que razão os especialistas dos dentes se chamam estomatologistas? Ou se chamava estomos aos dentes, ou um estomatologista devia ser o especialista do estômago. Porque é que os senhores não escrevem só "Dentista" nas placas? Refiro-me às placas na parede, que não têm nada a ver com a placa bacteriana ou a placa dentária. Tratam das doenças da boca - dir-me-iam - então pronto, "boquistas".

 

3.
Se os cegos vivem nas trevas, por que é que não se chamam entrevados?
 

4.
Por que é que chamam «restos mortais» aos restos mortais?

 

Há venenos mortais, armas mortíferas, isso sim, faz sentido, pois uma coisa mortal é mortífera. Mas os restos dos mortos são inofensivos, dificilmente vão explodir a qualquer momento e matar quem estiver ao pé. E o termo “restos” faz lembrar as cartilagens de um frango assado ou os ossos das costeletas para levar num saco e dar aos cães, ou ainda as sebências que se colocam à beira do prato. Não é lá muito simpático, acho eu...


5.

Por que é que a palavra «alma» é tão parecida com «lama», se são duas coisas tão diferentes? Deviam ter mais atenção com isso, ainda alguém troca as letras numa carta de amor e escreve "adoro-te do fundo da minha lama". É chato...

 

 

6.

Por que é que chamam à popa do cabelo “popa”, se ela é na testa, que é à frente? Não devia ser proa? Quando não percebemos nada dos assuntos do mar, o meu pai diz que são coisas de marinheiro de água doce.

 

7.

E depois há aquilo dos advérbios de modo: se eu disser fantasmagoricamente, quem me ouvir pode pensar que eu estou a falar de uma mente fantasmagórica e lá vão achar que eu estou a dizer disparates.

 

8.

Outra palavra que eu não percebo é «bruxuleante»: alguém me diz se ela vem dos bruxos, das bruxas ? Quer dizer que alguém oscila entre coisas da bruxaria?

 


9.

E essa coisa de estar melancólica, tem alguma coisa a ver com cólicas e com melões? É que se não tem, não sei porque e que brincam com as pessoas!

 

10.
E sempre achei a história do aterrar muito esquisita: aterrar um avião quer dizer assustá-lo de morte? Ai não? Então e aterrar uma pessoa, é pousá-la no chão? Não me digam que não é confuso...

 

11.

Por que é que aplicamos a expressão “proferiu estas palavras”, a qualquer pessoa que fala? Não acham que o verbo "proferir" devia ter uma tabuleta a dizer “reservado a profetas”? Ou quer dizer que, só por falarmos, somos profetas? Eu proferia que respeitassem mais os profetas...

 

12.

Arvorar é plantar uma árvore? Alvorar é apontar ao alvo? É que há coisas que parece que são, mas depois não são, não vale, como a palavra bucólica, que parece uma cólica de susto. Bu!-cólica.

 

13.

Se engomarmos um relógio, podemos dizer que estamos a passar o tempo?

 

14.

Os supositórios não deveriam chamar-se antes ANALgésicos? E os supositórios, suponhamos…púnhamos na boca ou no nariz, por exemplo.

 

15.

Desfrutar, é arrancar os frutos às árvores? E desmanchar, é tirar manchas e nódoas?

 

16.

Por que é que um desmancha-prazeres é aquele que dá cabo deles, ou seja, dos prazeres? Não deveria dizer-se, em vez disso, «mancha-prazeres»? Senão, lá está, parece que é alguém que tira a mancha aos prazeres. Não acham isso esquisito? É o que está a dizer, ou não é?

 

17.

Se trautear uma canção é cantarolá-la em lá-lá-lá, então por que é que não usam o verbo «Lalalar», que é muito mais adequado? Trau, parece que está a dar porrada à canção, não parece? Bom, em muitos casos isso é verdade, lá isso…lálálá...

 

18.

E desculpem, eu sei que é feio dizer-se, mas...se eu disser que me estou a lixar, quer dizer que me estou a enfiar no caixote do lixo?

 

- Olha, VAI-TE LIXAR! Sim, é um insulto suficientemente mal cheiroso, desejar ao outro que se atire para dentro de um caixote com cascas de cebola, pontas de cigarro e lenços ranhosos. Bem feito! Hihihi!


19.

O que é que a palavra “tornozelo” tem a ver com “torno” e com “zelo”? Nada, não é? Então porque é que as juntaram? Às vezes parece que já não sabem que palavras hão-de inventar e começam a coser duas a duas, ao acaso:

 

“Pescoço” (coço os pés?)

 

“Moldura” (afinal, é mole ou é dura?)

 

“Barbaridade” (uma idade que tem barbas? Uma idade bárbara...?)

 

“Debalde” (e esfregona….?)

 

20.

Se respiramos com o peito, por que não usamos nós o verbo “respeitar”? Inspeita...expeita…inspeita…expeita. Respiro pelas palavras, perdão, haja respeito pelas palavras.

 

21.

Se dizemos “almofada” e pomos os dentes debaixo dela, para a fada dos dentes, então porque é que não chamamos ao travesseiro, que é o macho, um “almoelfo”? Se não pudesse ser, ao menos, em vez de travesseiro, chamassem-lhe atravessador. É que é um objecto que dificilmente faz travessuras…ou faz e eu não sei? Então pronto, almofauno – que esses, os faunos, são bem mais travessos…

 

22.

Se eu não tivesse encarnado, a minha alma morria? Não, ia buscar uma cor parecida, o cor-de-laranja ou o rosa, e misturava-lhe um bocadinho de luto. Ah-a, enganei-vos!

 

23.

Por que é que dizem que uma senhora está de saltos altos se ela, empoleirada em sapatos desses, tem tanta dificuldade em dar saltos? Muito menos, altos, ora!

 

24.

Se um cravo é uma flor ou uma espécie de piano antigo, ter unhas encravadas é termos flores a nascer-nos nos pés? Pianos antigos nos dedos? E espremer um cravo, é torturá-lo até que ele nos confesse quantas abelhas é que conhece? É apertar-lhe as pétalas até que denuncie os seus companheiros? É tocar uma melodia num cravo, espremer-lhe as notas? Então e cravar dinheiro? Desculpem lá, mas é tudo muito complicado...

 

25.

«Versão» é um verso muito grande? E uma cancela cancela ou quê, afinal?

Agora vá, digam-me que sou eu que estou a complicar...

 

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